Essa
semana acontece o 1º Peitaço da Composição Regional, um festival só para
mulheres que possuem relação com a cultura gaúcha através de contato ou atuação
artística/ musical. Produzido pela cantora e jornalista Shana Muller, o
festival parte de um questionamento trazido nos últimos tempos por mulheres da
cena regional: a representação, o eu-lírico e o local de fala nas composições
com temáticas regionalistas que narram ou interpretam a mulher gaúcha. Como
venho abordando e observando desde 2014, as representações da mulher gaúcha em
músicas, compostas em sua avassaladora maioria por homens, constroem narrativas
que muitas vezes objetificam e estereotificam, chegando em alguns casos a
aludir violência (tema abordado em: http://gauchismoliquido.blogspot.com/2014/11/nem-chinoca-nem-flor-nem-morocha-sobre.html) .
O protagonismo nas canções regionalistas tradicionais era/ é submetido aos
homens, em abordagens sobre as lidas campeiras compreendidas como masculinas,
sobres suas experiências de mundo. Inegável citar as tentativas bem
intencionadas de tradução do feminino feitas por compositores homens, presente
em toda história ocidental. Ainda assim, em contraponto a este fenômeno, e
buscando a (re)construção da mulher gaúcha ancestral e simbolicamente mais de
quarenta mulheres se reunirão para pensar e produzir sobre essas questões.
Este
será um ato inédito por ser voltado exclusivamente para mulheres da cultura
regionalista. Em 2016 no blog Gauchismo Líquido abordei sobre o Festival da
Barranca e a proibição de mulheres no evento que acontece a mais de quarenta e
cinco anos (http://gauchismoliquido.blogspot.com/2016/03/ate-quando-so-eu-lirico-masculino-sobre.html).
Desde então surgiram inúmeras reflexões dentro da cena, dissipadas em suas mais
diversas representações do gauchismo como a música nativista, regionalista,
tradicionalista, de baile e a poesia, onde as mulheres estão muito presentes
como declamadoras e poetas. Instigada pela reflexão, a cantora e apresentadora
do Galpão Crioulo promoveu este evento, na busca de instrumentalizar as
mulheres a criarem suas narrativas. Fui convidada a levar a oficina de criação
sonora para mulheres que desenvolvo há um ano, Oficina de Musas. Nesta oficina
de edição especial, intitulada Oficina de Musas Xucras, levarei um pouco das
técnicas que tenho observado na composição musical, a análise da música como
uma linguagem cultural construída e a reflexão sobre os limites culturais que
levaram à nossa falta de atuação até aqui. Não vejo como possível começar a se
expressar sem compreender o que até pouco nos silenciava.
Compor
é um ato político, assim como reunir-se. Estar em comunhão por algo em comum, é
também religioso, no sentindo amplo e profundo de (re)ligação. Assim como é
cultural.
No texto
sobre a Barranca argumentei sobre sua importância por ser um evento cultural
“(re)definidor de valor social e do sentimento de pertencimento coletivo”.
Escrevi e continuo pensando como nesses eventos são transpassados
um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais,
aprendidos de geração em geração através da vida em sociedade. Fazer cultura
então seria uma amálgama de conhecimentos, crenças, costumes e todos os hábitos
e aptidões adquiridos e construídos pelo ser humano por fazer
parte de uma sociedade da qual faz parte. Incluiria ainda o sentimento de não
pertencimento sobre tais práticas, o repensar e reconstruir de códigos ou
moldes, afinal a cultura é dinâmica, respira de acordo com o seu tempo e as
pessoas que a geram.
Movimentos
culturais incluem deslocamentos, mutações, aproximações e afastamentos. Como as
intersecções existem, e mostram a pluralidade de pontos de vistas e de
diferentes experiências, evidencia-se que nem todo o movimento é unificado. Relembro
os festivais nativistas que estudei e frequentei, tendo o impasse estéticos e
discussão sobre o gauchismo como cerne, e repenso quais impasses merecem
atenção.
Penso
no que realmente importa nestes fenômenos e balanceio com a importância dos
simbolismos na cultura. Determinado signo, determinado nome, escolhas
(in)coerentes, traduções e reproduções de discursos que não falam só por si,
mas também. Uma privilegiada oportunidade de experenciar cultura. De vivê-la.
Que
as musas, detentoras da linguagem nos guiem. Que as xucras da caneta selvática
nos inspirem.
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